A vacinação e o meio ambiente de trabalho

Em face da promulgação do Decreto Distrital nº 42.736/21, que veio a revogar o inciso I do art. 2º do Decreto nº 42.730/21[1], diversos empregadores têm nos procurado buscando esclarecimentos a respeito das seguintes questões:

  1. O empregador poderá exigir para admissão o comprovante de vacinação contra COVID-19 completo no ato da admissão?
  2. O empregador poderá exigir a comprovação de vacinação contra o COVID-19 para o retorno dos empregados às atividades de modo presencial?
  3. O empregador poderá aplicar sanções disciplinares aos profissionais que não se vacinaram ou que estão com a vacinação incompleta?

 O debate em torno da política de enfrentamento da pandemia reside em uma ponderação entre conter a propagação do vírus, preservar os empregos e manter a atividade empresarial essencial para o desenvolvimento econômico do País.

Dessa forma, as respostas a tais questionamentos exigem uma breve contextualização da legislação aplicável e das recentes decisões judiciais sobre a matéria.

 

DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL À ESPÉCIE

No que diz respeito ao dever do empregador de zelar por um ambiente de trabalho saudável, o art. 16 da Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, determina que o empregador tenha comportamento ativo para garantir a integridade da saúde de seus trabalhadores.

A nível nacional, a previsão da Constituição da República do direito dos trabalhadores urbanos e rurais à redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII), da dignidade humana (art. 1º, III), do direito fundamental à saúde (arts. 6º e 196) e do valor social do trabalho (art. 1º, IV).

Os dispositivos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho sobre a Segurança e Medicina do Trabalho se encontram no Capítulo V do Título II (do artigo 154 ao 223), sem contar as inúmeras Normas Regulamentares instituídas pelo Ministério do Trabalho e da Previdência que tem o condão de esmiuçar as exigências legais.

O artigo 19, Lei 8.213/91 estabelece ser responsabilidade das empresas a adoção de medidas coletivas e individuais de proteção e segurança dos trabalhadores impondo ao empregador o dever de cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares e legais de segurança e saúde no trabalho de forma a minimizar e eliminar fatores de risco.

Já o art. 3º, § 7º, do decreto 10.282/20 impõe ao empregador o dever de adoção das cautelas necessárias à redução de transmissibilidade do coronavírus.

De um modo geral, o propósito do regramento é garantir proteção à saúde do trabalhador, da sua integridade física e psicológica visando conter a propagação do coronavírus e preservar a atividade empresarial e, em última instância, os empregos.

 

DAS DECISÕES DO STF SOBRE A MATÉRIA

O artigo 20, §1º, “d”, Lei 8.213/91, cuja aplicação no âmbito trabalhista é autorizada pelo artigo 8º, CLT, dispõe que não é considerada doença do trabalho “a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”. (sublinhamos-seccionamos)

Em um primeiro momento, o Poder Executivo editou a Medida Provisória 927/2020, cujo artigo 29 pretendeu transferir ao trabalhador o ônus de comprovar o local da contaminação.

A questão chegou ao Plenário do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento das ADI’s 6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352 e 6354 realizado no mês de abril de 2020, decidiu que recai ao empregador o ônus de comprovar que a doença decorrente da infecção pelo coronavírus não foi adquirida no ambiente de trabalho ou em razão dele. Na prática, a decisão plenária suspendeu a eficácia do art. 29 da MP 927/20 que acabou caducando.

De acordo com o entendimento exarado pelo STF, a contração do COVID 19 por um empregado que labore presencialmente nas dependências da empregadora atrai a presunção de que a COVID-19 tem natureza jurídica de doença ocupacional. Presunção relativa (juris tantum), isto é, que admite prova em sentido contrário.

Diante da presunção de responsabilidade civil do empregador, em 1º de novembro de 2021, o Ministério do Trabalho e da Previdência publicou a Portaria nº 620 que estabelece medidas contra a exigência de carteira de vacinação nas relações de trabalho, bem como considera prática discriminatória a exigência por parte do empregador de documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente de comprovante de vacinação. A referida Portaria veda, ainda, à dispensa por justa causa em decorrência da não apresentação de certificado de vacinação.

Entretanto, em 12/11/2021 a Portaria nº 620 teve os seus efeitos suspensos por decisão da lavra do Ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal no que se refere aos dispositivos que proibiam a exigência de comprovante de vacinação na contratação ou continuidade do vínculo de emprego, bem como quanto à parte do normativo que considera como discriminatória a solicitação do cartão de vacinação e a demissão realizada pela falta do documento.

Ocorre que o julgamento monocrático proferido pelo Min. Barroso, que revogava a eficácia jurídica dos dispositivos da referida Portaria, foi suspenso em 02/12/2021 e será enviado para novo julgamento no Plenário do STF, cuja data ainda não está agendada.

Assim, tecnicamente, os dispositivos da Portaria 620/2021 do Ministério do Trabalho e Previdência atualmente se encontram suspensos por força da decisão monocrática proferida pelo Min. Barroso do STF, ainda em sede de cognição não exauriente que pode, mais à frente, vir a ser firmadas pelo Pleno do STF.

De toda sorte, a conclusão adotada pelo Min. Relator serve de referência a empregados, aos empregadores e às relações de trabalho de um modo geral.

 

DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DO TRABALHO SOBRE A MATÉRIA

O cerne da controvérsia diz respeito à valoração do direito individual do empregado em se abster de tomar a vacina (art. 5º, II, CF) à luz do direito coletivo atrelado à obrigatoriedade legal do empregador em proteger a saúde dos demais colaboradores (art. 157, CLT), considerando a decisão do Plenário do STF no julgamento das ADI’s 6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352 e 6354 ocorrido em abril/2020 em que se concluiu que é encargo do empregador comprovar que a doença decorrente da infecção pelo coronavírus não foi adquirida no ambiente de trabalho ou em razão dele (arts. 818, CLT, 373, I, CPC).  

Conforme detalhamos alhures, o STF já sinalizou o entendimento, ainda que provisório, de que a exigência de comprovante de vacinação prioriza à saúde pública ao interesse individual. E a conclusão nem poderia ser diferente na medida em que as Portarias do Ministério do Trabalho e Previdência não se sobrepõe à lei federal (art. 157, CLT, Lei 8213/91), aos tratados internacionais (art. 16, Convenção 155 da OIT) e muito menos à ordem constitucional (arts. 1º, III, IV, 6º, 7º, XXII, XXVIII e 196).

Trilhando a mesma diretriz adotada pelo STF, os Tribunais do Trabalho têm se posicionado majoritariamente no sentido de que o empregador deve exigir que o seu funcionário se vacine contra a COVID-19 não somente em razão da obrigação legal imposta ao empregador de zelar por um ambiente de trabalho saudável, mas especialmente em virtude da prevalência do interesse coletivo sobre o individual (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, autos 1000122-24.2021.5.02.0472, Rel. Desembargador Roberto Barros da Silva).

No âmbito do TST, as turmas ainda não julgaram conflitos relacionados à pandemia. O ministro corregedor-geral da Justiça do Trabalho proferiu importantes decisões sobre a matéria em sede de Correição Parcial, cuja natureza é administrativa. Contudo, a ministra presidente do TST Maria Cristina Peduzzi proferiu algumas decisões monocráticas de competência da presidência com caráter jurisdicional, cujo posicionamento visa preservar à saúde pública em detrimento do direito individual (SLS – 1000317-58.2020.5.00.0000, publicada no DEJT em 7/4/2020, SLS – 1901-80.2020.5.00.0000, publicada no DEJT em 7/4/2020, Suspensão de Segurança 1000335-79.2020.5.00.0000, publicada no DEJT em 15/4/2020, SLS – 1000302-89.2020.5.00.0000, publicada no DEJT em 17/4/2020 e SSCiv – 1000350-48.2020.5.00.0000, publicada no DEJT em 18/4/2020).

 

CONCLUSÃO 

Considerando a legislação aplicável à espécie e ainda as decisões judiciais que envolvem a matéria, chegamos as seguintes conclusões:

– Nas hipóteses em que os empregados apresentem atestados médicos que os impeça de se vacinar, seja por já ter contraído o coronavírus, seja em razão da possibilidade de se acentuar um problema de saúde, é de fácil conclusão que o empregador não pode exigir comprovante de vacinação quando da contratação e/ou quando do retorno às atividades presenciais. E, logicamente, quanto a tais empregados não se pode aplicar qualquer espécie de sanção disciplinar;

– Nas hipóteses em que os empregados não apresentem qualquer restrição ou justificativa médica que o impeçam de se vacinarem, não vislumbramos qualquer impedimento para que o empregador exija do candidato o comprovante de vacinação como critério para admissão ou, na condição de empregado, quando da determinação patronal do retorno às atividades presenciais;

– Quanto aos empregados que apresentem comorbidades ou que o trabalho presencial apresente grande risco à integridade e à saúde[2], é recomendável que sejam mantidos em home office ou em teletrabalho de acordo com o regramento previsto no art. 75-A a 75-E, CLT ao menos até a estabilização da situação pandêmica na região do local de trabalho.

Portanto, o empregador poderá exigir comprovante de vacinação contra COVID-19 no ato da admissão, para o retorno presencial das atividades laborais e, consequentemente, poderá aplicar sanções disciplinares aos profissionais que não se vacinaram, que recusem a vacinação ou que estão com a vacinação incompleta na medida em que eventual recusa em tomar a vacina contra a COVID-19 pode ser considerada como falta grave por ato de insubordinação, ensejando a aplicação da pena máxima prevista no art. 482, CLT.

Embora seja esta a nossa conclusão sobre a matéria, para que não haja qualquer risco de se responsabilizar civilmente o empregador por eventuais prejuízos à saúde dos empregados, sugerimos que sejam adotadas medidas administrativas que visem coibir, inibir, impedir ou diminuir os riscos de contaminação, tais como, divulgação de orientações de prevenção à COVID-19 por meio de circulares internas com a indicação de medidas preventivas e protocolos para controle e mitigação dos riscos de transmissão no ambiente laboral, o estabelecimento de políticas de incentivo à vacinação, o oferecimento de testagem periódica aos empregados, dentre outras.

No mais, considerada a instabilidade jurídica da matéria, recomenda-se imprescindível a análise individual de cada caso concreto a fim de que se evitem posteriores litígios de natureza trabalhista.

 

[1] Art. 2º Em todos os estabelecimentos que se mantiverem abertos, impõe-se a observância de todos os protocolos e medidas de segurança recomendados pelas autoridades sanitárias, inclusive:

I garantir a distância mínima de um metro entre as pessoas e grupos de pessoas, limitados a 6 pessoas, inclusive como critério para definição da capacidade máxima do estabelecimento, evento ou outra atividade;

[2] Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) é considerado integrante do “grupo de risco”:

  • Idosos acima de 65 anos;
  • Grávidas e lactantes;
  • Pessoas com histórico de doenças pulmonares;
  • Pacientes com histórico de doenças, tais como: diabetes, hipertensão e AIDS;
  • Pacientes em tratamento ou pós-tratamento de câncer.

 

Dino Araújo de Andrade, sócio-fundador do escritório Dino Andrade Advogados

Juliana Rocha de Almeida Borges, sócia do escritório Dino Andrade Advogados

 

 

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