A Jurimetria como ferramenta do Direito resultante da evolução tecnológica na sociedade da informação

A jurimetria nada mais é que a estatística aplicada ao ramo do Direito. É a sociedade da informação afetando a legislação e suas interpretações. É a métrica do Judiciário.

A Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) trata a Jurimetria como um ramo do conhecimento jurídico. Dessa forma, a Jurimetria é a ferramenta pela qual se metrifica o Direito através da metodologia estatística.

Segundo Escotet[1], estatística é a técnica que computa, numera, mede fatos relacionados aos elementos de uma amostra ou população; coordena e classifica os dados obtidos com o objetivo de determinar suas causas, consequências e tendências, e se divide em estatística descritiva e estatística inferencial. A estatística descritiva compreende a coleta, tabulação, apresentação, análise, interpretação, representação gráfica e descrição dos dados coletados, facilitando sua compreensão e interpretação. Já a estatística inferencial pretende inferir características de uma população a partir de dados observados em uma amostra de indivíduos”.

Nas palavras da Drª. Márcia Milena Pivatto Serra, o termo jurimetria foi:

“cunhado pelo advogado Lee Loevinger na década de 60, pensado como uma forma de tornar as decisões judiciais (jurisprudência) experimentadas (como ocorre com os experimentos das ciências exatas) e não somente comentadas (HADDAD, 2010). Entendida como a aplicação dos métodos da Estatística e da Probabilidade ao estudo e elucidação dos fenômenos jurídicos (NUNES e COELHO, 2010; apud ARNOLDI, 2010), ou ainda, de uma forma mais abrangente, como estudos empíricos legais (HEISE, 2002).”

Com a evolução da era tecnológica, na qual os processos se tornaram eletrônicos, com os Tribunais desenvolvendo suas inteligências artificiais para admissibilidade recursal, com a disponibilização das jurisprudências em Diário de Justiça Eletrônico, toda essa realidade digital que gira em torno do Direito deu oportunidade para entendê-lo de uma forma matemática, ou seja, analisando o banco de dados sobre toda a informação injetada no mundo virtual para auxiliar a análise de como determinado Tribunal entende uma matéria específica.

Dessa forma, a Jurimetria é o estudo que cruza dados com a finalidade, por exemplo, de demonstrar como determinado juiz sentencia sobre determinada matéria, o que leva aos operadores do Direito ter maior autonomia e segurança quanto aos resultados do processo, a média em pecúnia daquilo que se pode ganhar ou perder com determinada ação a depender de qual Juízo for destinada, quais teses, defesas e abordagens são de maior relevância para se obter o êxito ao considerar a região, ou Tribunal e Juízo em contrapartida do que se vem entendendo naquele nicho especifico.

Para NUNES[2]: ” De um ponto de vista tecnológico, a Jurimeria apresenta relevantes aplicações contribuindo para a solução de problemas de decidibilidade jurídica. Por ser uma extensão da ciência, o uso tecnológico de um conhecimento é diretamente proporcional ao poder de previsão dos modelos científicos. Se a ciência tem alto poder de previsão, ela tende a produzir tecnologias de alta relevância. Nessa perspectiva, a Jurimetria pode, por exemplo, recomendar ao legislador uma alteração na lei capaz de reduzir o tempo dos processos, ou a aplicação de uma modalidade de pena que reduza o nível de reincidência de infratores ou, ainda, fornecer ao juiz elementos que permitam antecipar os efeitos concretos de uma sentença. Os modelos da Jurimetria ainda estão em uma fase inicial de desenvolvimento. À medida, no entanto, que acumularmos dados sobre o funcionamento das ordens jurídicas e sofisticarmos nossas ferramentas de análise, é esperado que os operadores passem a ter uma maior compreensão e, por consequência, uma maior capacidade de previsão sobre o seu comportamento”.

Isto porque a tecnologia tem a capacidade de acessar banco de dados do Poder Judiciário analisando milhares de sentenças, petições, decisões, cruzando essas informações e identificando padrões, seja de defesa, seja de sentenças. Isto é a Jurimetria, um conceito nascido da evolução tecnológica que capacitou o desenvolvimento de análises baseadas em dados sobre matéria antes tida tão somente como área abstrata e subjetiva, o Direito.

O estudo do Direito se baseia classicamente nas análises das normas jurídicas, suas possíveis interpretações e os conceitos jurídicos construídos na Teoria pela Doutrina. No entanto, a Associação Brasileira de Jurimetria demonstra a relevância do estudo, não apenas às leis e suas possíveis interpretações, mas também às características concretas dos processos jurídicos de decisão, uma vez que tão importante analisar as questões jurídicas e suas teorias, é entender como os fatos, atos e negócios que concretizam o Direito se dão no cotidiano da vida em sociedade. Nesse viés, parafraseando NUNES (2016), tão importante quanto estudar o conceito legal de responsabilidade civil, de contrato e de sentença, é compreender quais as características das indenizações, dos contratos e das sentenças produzidas concretamente pelos operadores no seu dia a dia.

Tal estudo se apresenta a fim de otimizar o tempo de análise sobre casos concretos enfrentados diariamente dentro da Corte Brasileira, a fim de auxiliar os operadores do Direito, e dando cumprimento à celeridade e duração razoável do processo, prevista no art. 5º da Constituição Federal.

Trazendo à realidade, a Jurimetria ganhou os holofotes quando se deparou com uma decisão nada acolhedora aos benefícios que apresenta. Tal repercussão se deu nos autos de nº 0011710-15.2019.5.15.00320 da 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região, que não homologou acordo realizado entre as partes, sob o argumento de que a reclamada, através do uso da Jurimetria, pratica fraude trabalhista ao tentar uniformizar a jurisprudência, optando por formalizar acordo apenas em comarcas em que tem tido decisões desfavoráveis, com o intuito de não permitir a criação de jurisprudências negativas.

No entanto, o estudo da jurisprudência sempre foi feito pelos advogados que atuam diariamente junto ao Judiciário, o que determina suas abordagens de defesa, e isto não significa que a Jurimetria visa automatizar o Direito, mas sim estudar a liberdade humana interpretada pelos Tribunais em determinados casos concretos, o que não substitui o estudo da doutrina, a análise de jurisprudência e a expertise dos juristas. Trata-se apenas de uma nova ferramenta a ser utilizada pelos operadores do Direito.

Assim, a gestão dos processos baseada no gerenciamento de risco ganha um encorpamento quando se trata de uma base sólida, qual seja: a análise estatística de dados. Análise esta que oportuniza a tomada de decisões com base nas melhores probabilidades de um departamento jurídico.

Isto porque quando se analisa um banco de dados, a exemplo, relacionado a um nicho especifico de determinada região, a tese a ser desenvolvida a partir de como o Tribunal vem entendendo possui uma probabilidade de êxito maior do que àqueles que sequer sabem como pensa aquele determinado magistrado sobre aquele determinado tema, tornando assim, a decisão mais favorável à busca do Direito.

Os tribunais já vêm adotando a Jurimetria para fazer com que sentenças de problemas similares não sejam muito diferentes entre si, como uma forma de sistematizar o Judiciário, inclusive por levarmos em consideração que o objetivo de órgãos jurisdicionais se dá pela função de uniformização da jurisprudência, como por exemplo, a Subseção de Direitos Individuais do Tribunal Superior do Trabalho.

Conclui-se, portanto, que a Jurimetria é o estudo que metrifica o dados relacionados ao Direito, através de cruzamento de dados disponibilizados nas redes de internet, a ser utilizada como uma ferramenta aos operadores do Direito para que otimizem o poder de decisão sobre os casos concretos enfrentados no dia a dia com base nas probabilidades mais acertadas, bem como a fim de demonstrar entendimentos jurisprudenciais quanto à cultura e costumes de determinada região, inclusive visando à uniformização desses entendimentos com auxílio para cumprimento da celeridade processual.

Por fim, nesse viés, embora cada magistrado possua liberdade na avaliação das provas e o exercício do seu poder de convencimento, através da Jurimetria é possível verificar, a partir da análise do cruzamentos de dados, que o ditado “cada juiz uma sentença” vem caindo em desuso, uma vez que se busca a uniformização dos entendimentos jurisprudenciais, restando claro e cristalino a cada dia, quando se apresentam comparativos de jurisprudências similares entre Tribunais de diferentes regiões, pois todos acabam seguindo o mesmo padrão de decidir.

 

Fernanda Dias Domingues, advogada sócia do escritório Dino Andrade Advogados

[1] (1973 apud BISQUERRA, SARRIERA, MATÍNEZ, 2007)

[2] NUNES, Marcelo Guedes, JURIMETRIA Como a estatística pode reinventar o Direito. E-book. Revista dos Tribunais. 2016. São Paulo.

 

Bibliografia

Associação Brasileira de Jurimetria, disponível em < https://abj.org.br/conteudo/jurimetria/> , acessado em 18 de Janeiro de 2022.

HADDAD, R. N.; A Motivação das Decisões Judiciais e a Jurimetria: contribuições possíveis. Anais do XIX Conpedi, Fortaleza, 2010.

SERRA, Márcia Milena Pivatto. Como Utilizar Elementos Da Estatística Descritiva Na Jurimetria. in Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba. Ano IV, nº 10, jun/dez 2013, págs. 156-169.

NUNES, Marcelo Guedes. JURIMETRIA: Como a estatística pode reinventar o Direito. E-book. Revista dos Tribunais. 2016. São Paulo.

TRT 15, Comunicação Social, “11ª Câmara nega homologação de acordo e reconhece vínculo de trabalho de motorista de Uber“, disponível em < https://trt15.jus.br/noticia/2021/11a-camara-nega-homologacao-de-acordo-e-reconhece-vinculo-de-trabalho-de-motorista-de >, acessado em 18 de Janeiro de 2022. 

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