Da possível inconstitucionalidade do §5º do art. 896-A da CLT

Neste artigo abordaremos a plausibilidade jurídica da arguição de inconstitucionalidade do § 5º do art. 896-A, CLT face aos princípios da colegialidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, XXXIV, “a”, LIV e LV da Constituição Federal.

  1. Breves comentários a respeito do instituto da transcendência

Antes de adentrar na questão específica da inconstitucionalidade do art. 896-A, §5º, CLT, é necessário abordarmos as razões da origem desta substancial inserção legislativa denominada transcendência em recurso de revista.

No ano de 2001, foi editada a Medida Provisória nº 2226 que passou a exigir das partes que recorrem ao TST à demonstração de que a causa tenha relevância social, política, econômica ou jurídica. A intenção do legislador era, além de nitidamente inibir demandas aos tribunais superiores, exigir que os processos que lá chegassem demonstrassem que o julgamento da causa ultrapassava o interesse subjetivo das partes.

Essa conclusão certamente se coaduna com a justificativa da própria existência dos tribunais superiores, qual seja, de uniformizar jurisprudência e se manifestar a respeito de relevantes questões trabalhistas debatidas em âmbito nacional e de interesse estatal, deixando a responsabilidade do julgamento de conflito de interesses exclusivos das partes às instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho.

Ocorre que esta regra prevista na Medida Provisória nº 2226 não estava regulamentada até o advento da Lei nº 13.467/17, denominada reforma trabalhista, que veio a regulamentar o instituto exigindo que as partes e os próprios julgadores observem, ao redigir ou analisar o recurso de revista, respectivamente, os critérios e indicadores de transcendência da causa inseridos no art. 896-A, CLT.

Fato é que as decorrências práticas do instituto da transcendência têm criado diversos imbróglios no âmbito do TST na medida em que para alguns ministros determinadas matérias demonstram interesse social ou jurídico a justificar o processamento e julgamento do processo pelo TST conquanto para outros, as mesmíssimas matérias não ultrapassam o interesse subjetivo das partes. E ainda não há, no âmbito do TST, um órgão que uniformize tais questões, o que causa uma insegurança jurídica às partes sem precedentes especialmente porque o caminho recursal a ser trilhado, no caso de não conhecimento, é completamente distinto ou até mesmo inexistente, conforme será demonstrado na sequência.

  • Do incidente de inconstitucionalidade do art. 896-A, §5º, CLT e da jurisprudência do STF sobre a matéria

Além do filtro processual advindo com a transcendência em recurso de revista, o artigo 896-A, § 5º, CLT, com redação também conferida pela Lei 13.467/17, estabelece ser irrecorrível a decisão monocrática que, em sede de agravo de instrumento, considera ausente a transcendência da causa.

Com a promulgação da lei, a novel regra processual trabalhista foi inserida no regimento interno do Tribunal Superior do Trabalho que, em seu art. 248, prevê que a irrecorribilidade da decisão monocrática que, em agravo de instrumento, considerar ausente a transcendência da matéria.

Nas hipóteses em queo recurso de revista é admitido na origem, o ministro do TST pode utilizar-se de sua prerrogativa para, monocraticamente, não reconhecer a transcendência da matéria nele contida. Face à esta decisão, o art. 896-A, §4º, CLT admite a interposição de agravo para o colegiado, com direito a sustentação oral pela parte pelo tempo de cinco minutos (§3º). Caso a Turma referende a decisão monocrática que não reconheceu a transcendência, a decisão é considerada irrecorrível (§4º).

            Ocorre que quando o recurso de revisa é inadmitido pelo juízo de prelibação regional e a parte decide interpor agravo de instrumento para ter sua revista analisada por uma das Turmas do TST, diz o art. 896-A, §5º, CLT que se a decisão do ministro for monocrática com transcendência não reconhecida, a decisão é irrecorrível, sendo que a jurisprudência do TST se consolidou no sentido do não cabimento inclusive de Embargos de Declaração. Ora, a hipótese aventada deveria resguardar à parte ao menos a possibilidade de um pedido de reconsideração ou ao menos a oposição de declaratórios, cuja natureza jurídica sequer é reformatória, mas meramente integrativa ou esclarecedora.

É exatamente a respeito desta previsão legal de irrecorribilidade que as partes e os próprios órgãos colegiados do TST, via instauração de incidente de inconstitucionalidade, se insurgem por entenderem que o referido dispositivo legal é manifestamente inconstitucional.

            Com efeito, nos autos do processo 1000845-52.2016.5.02.0461, a Eg. Sétima Turma do TST, após intervenção do Ministro Cláudio Brandão, arguiu incidente de inconstitucionalidade do art. 896-A, §5º, CLT para o Pleno do TST. Instituições como ABRAT, IAB, FENABRAN e FITRATERP foram admitidas no feito como “amicus curiae” a fim de auxiliar a Corte no julgamento do referido incidente que ainda não tem data marcada para julgamento.

            A partir da instauração do incidente de inconstitucionalidade, a Eg. Sexta Turma do TST têm determinado o sobrestamento de todos os agravos regimentais interpostos face a decisão monocrática em AIRR que não reconhece a transcendência da matéria nele contida. (TST-0010846-98.2015.5.18.0010, Rel. Desembargadora Convocada Cilene Amaro).

Ao nosso sentir o não reconhecimento da transcendência pela via monocrática, com certificação de trânsito em julgado e com a imediata determinação de baixa dos autos para o Tribunal de origem, obstaculiza a recorribilidade extraordinária para o Supremo Tribunal Federal, violando preceitos da Constituição da República.

Com efeito, o artigo 102, III, CF admite a interposição de recurso extraordinário para o STF de causas decididas em única e última instância. Isto é, nos processos trabalhistas o constituinte originário admite e autoriza a parte a interpor recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal sempre que concluir que a decisão do tribunal a quo violou dispositivos da CF, vez que é o Excelso Pretório o guardião da Carta Magna.

Face à previsão constitucional, indaga-se: decisão que não reconhece a transcendência em AIRR não pode ser objeto de recurso extraordinário, caso entenda a parte que a decisão recorrida viole a CF? Nesse caso, não se estaria considerando o TST como o guardião da CF em última instância em manifesta contramão à previsão do art. 102, II, CF?

            Em razão da viabilidade jurídica da recorribilidade de decisões proferidas pelo TST, a atual vice-presidência do Tribunal Superior do Trabalho tem determinado o sobrestamento de recursos extraordinários interpostos seja face à decisão monocrática de relator em AIRR que não reconhece a transcendência da matéria combatida em revista, aguardando a análise da constitucionalidade do art. 896-A, §5º, CLT pelo STF. É claro que a hipótese contraria frontalmente a previsão da Súmula 281/STF, mas é plenamente cabível face à recursos extraordinários interpostos de decisões colegiadas que não reconhecem a transcendência (art. 896-A, §4º, CLT).

            Inconformada com uma decisão monocrática proferida em sede de agravo de instrumento que não reconheceu a transcendência de uma matéria objeto de repercussão geral pelo STF, a parte prejudicada ajuizou Reclamação Constitucional no STF alegando usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à impossibilidade de se recorrer à Suprema Corte quando a matéria de fundo é objeto da tabela de repercussão geral do Supremo Tribunal.

Ao analisar os autos da Medida Cautelar em Reclamação nº 35.816, publicada no DJE em 7/8/2019, a Min. Carmen Lúcia proferiu decisão no sentido de que “ao recusar o processamento do recurso de revista sobre a matéria em foco e, com isso, obstar todos os meios de acesso à jurisdição constitucional, parece ter a autoridade reclamada usurpado a competência deste Supremo Tribunal Federal”. (grifamos-seccionamos)

Neste julgado, a ministra Carmen Lúcia concluiu que a decretação de ausência de transcendência em AIRR por decisão unipessoal, seguida da certificação de trânsito em julgado com a determinação imediata de baixa dos autos à origem, inviabiliza a análise da questão constitucional ao respectivo órgão colegiado do TST e, consequentemente, ao Supremo Tribunal Federal pela via do recurso extraordinário (Súmula 281/STF).

No mesmo sentido, a decisão do Min. Alexandre de Moraes nos autos da Reclamação nº 43.292-PR em que consigna que “ao negar seguimento ao recurso sob o fundamento de ausência de transcendência da matéria de fundo, a autoridade impugnada absteve-se de aplicar a tese fixada no Tema 222 da repercussão geral, afrontando, dessa forma, a autoridade desta CORTE no decidido nos autos do RE 597.124, Rel. Min. Edson Facchin”. (grifamos-seccionamos)

Portanto, até que seja decidido de forma definitiva a (in)constitucionalidade do dispositivo que considera irrecorrível decisões que não reconhecem a transcendência em sede de AIRR, sugerimos que os advogados trabalhistas sigam interpondo recursos que entenderem cabíveis de acordo com cada caso concreto.

  • Da recorribilidade de decisões que não reconhecem a transcendência da causa à luz da lei, da Constituição Federal, da jurisprudência dos tribunais superiores e da doutrina especializada

O artigo 1021, CPC, aplicável ao processo do trabalho por força do art. 769/CLT, prevê que “contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do Tribunal”. (grifamos-seccionamos)

Existindo lei processual, aplicável ao processo do trabalho, que admite a interposição de agravo interno contra decisão monocrática do relator, o apelo passou a ser admitido no art. 265 do Regimento Interno do TST.

No âmbito do TST, o agravo interno é considerado um instrumento que permite submeter às decisões individuais do relator ao colegiado de modo a conferir se o ato praticado monocraticamente corresponde ao entendimento majoritário da Turma.

Nos autos do processo STJ-AgRg no MS 11.961/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Corte Especial, REPDJ 21/02/2008, DJ 19/11/2007, a ministra aposentada do STJ Eliana Calmon, firmou o entendimento de que “a partir da visão ontológica do funcionamento dos Tribunais, tem-se como regra as decisões colegiadas. Entretanto, pela necessidade de dar-se maior velocidade na tramitação dos feitos, estabelecem os regimentos internos poderes para os relatores agirem isoladamente. O relator age, então, como delegado do colegiado. Quando a parte não se conforma com o ato isolado do relator, não se pode furtar dela a oportunidade de chegar ao juiz natural, o colegiado. Se assim não for, estar-se-á dando ao delegado poderes absolutos, tornando irrecorrível o seu agir, omitindo-se o colegiado de julgar”. (seccionamos)

No julgamento dos autos do processo STJ-AgRg no Ag 827.423, relator para o acórdão Ministro Luiz Fux, julgado em 14.08.2007, a Primeira turma do STJ concluiu que a tônica do “duplo grau de jurisdição” é justamente a possibilidade de revisão de uma decisão judicial por um colegiado em que outros julgadores se reunirão para debater a questão contida no recurso.

Relevante elucidar que nem mesmo no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em seu Regimento Interno, ou em sua jurisprudência, encontramos decisões monocráticas que não admitem recurso, exatamente pela essência do tribunal que é o de proferir decisões colegiadas. No julgamento do AG (AgRg) 247.591-RS, 14.3.2000, o ministro Moreira Alves declarou que o agravo regimental sequer é um recurso, mas apenas “meio de se promover a integração da vontade do Colegiado que o relator representa”. (seccionamos)

Na lição de Fredie Didier Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha, uma vez “interposto o agravo interno, há dois caminhos possíveis: ou o relator retrata-se, podendo fazê-lo por decisão isolada, ou o leva a julgamento pelo colegiado, no qual poderá ser mantida ou reformada a decisão do relator. (DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal/ Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha – 14. Ed. Reform. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, v. 3, p. 335 – grifamos).

Não é possível, portanto, inibir o pedido de reconsideração da parte sob o fundamento de ser irrecorrível, conferindo a uma decisão unipessoal status equivalente de uma decisão colegiada. Ressalte-se que não se trata de uma nova medida recursal, mas um meio de reiterar o recurso anteriormente apresentado, tanto é que se provido o agravo, as razões recursais a serem analisadas coincidem com as do recurso originalmente interposto.

Não se nega que a reforma processual de 2015 ampliou os poderes do relator, com reflexos nos trabalhos dos órgãos colegiados, possibilitando enquadrarem a matéria em hipóteses de julgamentos imediatos, reduzindo a enorme carga de processos nos Tribunais ao dar celeridade ao seu procedimento com o mais breve exame dos recursos.

Todavia, devem ser obedecidos os limites previstos no artigo 932, CPC, quais sejam, tese recursal contrária à súmula do STF ou STJ ou do próprio Tribunal, acórdão proferidos pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. A vontade do legislador, portanto, autoriza o julgamento monocrático amparados em precedentes qualificados e ainda assim é cabível recurso ao colegiado.

No caso específico do §5º do artigo 896 A, CLT e do art. 265 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho, não se pode admitir a predominância de uma decisão monocrática como fonte de jurisprudência de tribunal, sob pena de se ferir o princípio do colegiado, especialmente quando se trata de uma questão extremamente subjetiva como é o caso da identificação ou não da transcendência da causa.

Nas hipóteses em que o ministro relator não analisa a transcendência ou a julga  prejudicada em razão de descumprimento de óbice processual, não se considera como irrecorrível a decisão, nos estritos termos do artigo 896-A, §5º, CLT. Da mesma forma a previsão do art. 896-A, §4º, CLT que admite agravo em decisão monocrática em recurso de revista que não reconhece a transcendência das matérias nele contidas. Porque então há desigualdade legal quando se trata de decisão monocrática em sede de agravo de instrumento? 

  • Conclusão

Embora a intenção do legislador seja a de conferir celeridade no julgamento dos processos e restabelecer a função precípua dos tribunais superiores, indene de dúvidas que não se pode admitir cerceamento de defesa ou direito de petição das partes, sobretudo quando há previsão constitucional específica que admite interposição de recursos para o Supremo Tribunal Federal nas hipóteses em que a decisão recorrida viola dispositivos da Constituição da República. É inconstitucional dispositivo de lei que contrarie a norma constitucional.

De modo que a admissão de recurso face à decisão que não reconhece a transcendência da matéria preserva o sistema de justiça, confere segurança jurídica às partes, respeita princípios constitucionais como o da colegialidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório e do duplo grau de jurisdição, especialmente na hipótese vertente em que há manifesta subjetividade na análise de indicadores da transcendência.

Portanto, afiguramos plenamente plausível a declaração de inconstitucionalidade do § 5º do art. 896-A, CLT por violação ao artigo 5º, XXXIV, “a”, LIV e LV, da Constituição Federal.

Dino Araújo de Andrade – Sócio do escritório Dino Andrade Advogados

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