A internet como ferramenta de mobilização dos movimentos sociais contemporâneos e os sujeitos achados na rede

I. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa abordar os estudos dos movimentos sociais clássicos e trazê-los para sociedade da informação, a sociedade complexa, através de demonstração de mobilizações encontradas na rede virtual, visto que a internet se tornou um canal estruturado para buscar transformações sociais.

Assim, o objetivo desse trabalho está de certa forma coadunados a essa extensão do movimento social e os contemporâneos com adaptações de mobilização para concretude da sua veiculação, vez que as características profícuas se identificam no campo de atuação dos movimentos sociais.

Para isso foi necessário trazer considerações sobre o direito achado na rua trabalhado pelo Professor José Geraldo, a fim de construir os sujeitos achados na rede como atores de protestos e mobilizações na rede.

Lado outro, foi possível trazer o caso concreto do AI-5 Digital, considerado o primeiro movimento das redes em face de um projeto de lei sobre crimes cibernéticos, o qual teve essa dominação face aos opositores do projeto se organizarem na internet, obter audiência pública, projetar manifestações e adquirir resposta do Poder Publico em um verdadeiro exercício do Estado Democrático de Direito.

Também foi abordado os aspectos dos movimentos sociais na América Latina e sua influência na era global.

A todos os aspectos levantados, serpentearam para provocar se é possível trazer a ideia de movimentos sociais à sociedade da informação, conhecida como sociedade complexa diante da 4ª Revolução Industrial – A era da Internet, e os meios pelos quais os usuários desse canal de comunicação, os quais podemos denominar de sujeitos achados na rede, de mobilização para incluir pautas e agendas de participação política em benefício dos oprimidos/excluídos, que tem em comum a afetividade de pertencimento a um grupo coletivo.

 

II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE MOVIMENTOS SOCIAIS

II.1) A era global e a mobilização dos sujeitos achados na rede

Os Movimentos Sociais, na definição de Celso Fernandes Campilongo “são geralmente descritos como meio de promoção de mudanças sociais” e o “conflito e mudança social estão no núcleo do conceito”. Isto porque os movimentos sociais precisam de determinadas características para validação da sua existência.

Nessa esteira, no Brasil, por exemplo, os movimentos sociais ganharam força na década de 70 diante do regime militar quando grupo de estudantes conscientizados e de forma organizada passaram a se mobilizar para protestar contra a ditadura e a privatização do ensino[1].

Também podemos citar o movimento da classe trabalhadora durante a revolução industrial, a qual buscava melhores condições de trabalho, advindo da crise estrutural do capitalismo, que passaram, através da organização sindical, vindicar direitos a este grupo de pessoas, as quais identificadas com a mesma questão social se mobilizaram de forma estruturada em busca do reconhecimento de seus direitos[2].

Há outras frentes que objetivam a mobilização para criação de movimento social, seja pela raça, crença, gênero, identidade sexual, entre outros, o que este artigo não possui como objetivo. No entanto, importante apontá-los, vez que traduzem a ideia de movimento social analisado a partir das variações de contextualização e historicidade, mas que partilham de uma ideia central a sua denominação, a subjetividade de cada movimento, como bem destaca Melucci (1989)[3]:

Os movimentos sociais são difíceis de definir conceitualmente e há várias abordagens que são difíceis de comparar. Os vários autores tentam isolar alguns aspectos empíricos dos fenômenos coletivos, mas como cada autor acentua elementos diferentes, dificilmente se pode comparar definições. Infelizmente, estas são mais definições empíricas dos conceitos analíticos. (Ibidem, p. 54, grifos nossos).

Portanto, para Melucci (1989), movimento social é uma forma de ação coletiva que depende de seus sistemas de referência e de suas dimensões analíticas, a forma que se estrutura e o sistema organizacional do qual se vincula para o efetivo desenvolvimento do movimento social.

Ademais, para Maria da Glória Gohn, movimentos sociais são “ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas”[4], que podem adotar diferentes estratégias, como por exemplo, as mobilizações, foco do presente estudo, mas também, as marchas, concentrações, passeatas, entre outros.

Nessa esteira, pelo presente estudo buscar a demonstração da caracterização, ou não, dos movimentos sociais na atualidade, cabe ressaltar que as mobilizações da era global se dá através das redes sociais, e por essa razão, importante destacar o conceito advindo do “Direito Achado na Rua[5], para identificação dos sujeitos achados na rede.

O direito achado na rua tem por objetivo promover a interlocução entre os projetos e disputa nos campos do conhecimento,  com a emancipação dos explorados e oprimidos “sendo o direito mediação para a atuação jurídica dos novos sujeitos coletivos sociais; é um dos alicerces, no âmbito das teorias críticas do direito, para o reconhecimento de esferas que são ignoradas nas teorias tradicionais do campo jurídico; é substrato para uma prática situada que orienta o trabalho político pedagógico com/para e pela/o explorada/o – oprimida/o”.(JOSÉ GERALDO SOUZA JUNIOR)

Portanto, na era da tecnologia, onde o sujeito coletivo se mobiliza através das redes de internet para articular ações coletivas que agem como resistência à exclusão, lutando pela inclusão dos explorados/oprimidos, é que se encontra esses sujeitos achados na rede.

A ideia de sujeito de Touraine é interessante para entender a formação dos atores coletivos, mas sua articulação é apreendida com a noção de redes. Ou seja, os movimentos sociais não se restringem à luta de um sujeito privilegiado, mas passam a existir como atores que, naquele determinado contexto de interesses e oportunidades, estão conectados. A ideia de redes permite extrapolar a exigência de delimitação do raio de ação dos atores sociais.

Isto porque, é através das redes como meios de comunicação que se exerce com maior afinco a liberdade de expressão, conforme passagem de José Geraldo Souza Junior, a seguir:

Daí o princípio da liberdade de imprensa contra toda forma de censura e de cerceamento de seu papel como veículo da livre expressão. Mesmo em sistemas em que os meios de comunicação se constituem, como tudo o mais, bem de mercado e de apropriação de grandes proprietários, mantêm-se a salvaguarda de que há prerrogativas a proteger e de que o controle e a fiscalização de suas atividades não podem ser subterfúgios para reduzir o princípio fundamental que é a liberdade de imprensa. Liberdade de imprensa permeada pela perspectiva de se traduzir enquanto espaço de amplo debate e informação, com responsabilidades éticas balizadoras do cuidado que se deve ter quando se é compreendido como formador de opiniões.

Em sendo assim, para que haja ação coletiva com objetivo de vindicar direitos de um determinado grupo, ao qual possuem os mesmos sentimentos de pertencimento social, a serem operados nas redes virtuais capazes de construir relações de movimento antiglobalização, é que nascem as mobilizações.

Há diferentes mobilizações de recursos, sendo que a formalização e burocracia dos movimentos se relaciona à capacidade de articulação com o ambiente político ou à velocidade das respostas, ou seja, os movimentos mais formalizados possuem maior habilidade em obter recursos financeiros ao relacionar-se com autoridades e garantir a longevidade do movimento, como por exemplo, o que vemos no Movimento do Trabalhadores Sem Terra (MST), que nasceu na década de 70[6].

Assim, os movimentos menos burocratizados adotam táticas criativas e inovadoras, nos termos em que respondem com maior agilidade aos protestos, inclusive com maior liberdade contra os sistemas funcionais da sociedade complexa, pois é o que vemos nas mobilizações das redes.

Para Celso Fernandes CAMPILONGO:

Mobilizar estruturas e recursos pode ter resultados apenas a médio ou longo prazo. Muitas vezes, o ambiente político não permite a consecução do objetivo. O movimento fica “no meio do caminho”. Imagine-se que escolas abertas e cursos promovidos por um movimento social não surtam, de imediato, resultados palpáveis. Porém, a médio prazo, de maneira às vezes até aleatória e contingente, esses cursos formam futuras lideranças do movimento, autoridades políticas simpáticas às bandeiras do grupo de personalidades de grande projeção na mídia. Foi assim, por exemplo, com o processo educacional associado ao movimento de direitos civis nos Estados Unidos.29 Tem sido assim, às vezes, com movimentos pela moradia espalhados pelo Brasil: em alguns momentos, derrotas na justiça e intransigência da Administração, noutros, dificuldades judiciais seguidas de acordos; gradualmente, por fim, câmbios importantes na própria jurisprudência.

Com efeito, as redes são estruturas das sociedades contemporâneas globalizadas e informatizadas, o que encurta a burocracia da concretude do movimento social, vez que permite autonomia ao sujeito coletivo achado na rede, aqueles que vindicam direitos em mobilizações pontuais, ou seja, a partir de núcleo de militantes que se dedicam a uma causa seguindo as diretrizes de uma organização.

Nas palavras de Maria da Glória Gohn, ter autonomia significa “ter pessoal capacitado para representar os movimentos nas negociações, nos fóruns de debates, nas parcerias de políticas públicas”. (GOHN, 2015)

Ainda nesse aspecto, a autora cita TOURAINE, 2005 e MELUCCI, 2001, ao sistematizar as abordagens das mobilizações deste novo milênio ao redor de alguns núcleos, como por exemplo “novos requerimentos da modernidade e a redefinição do sujeito racional de forma a incorporar as identidades culturais TOURAINE, 2005 e MELUCCI, 2001; a busca de um sujeito que articule o global com o local (GIDDENS 1989 e 1997); a democracia e suas formas (…), e as formas de resistência comunais”. (GOHN, 2014, p. 46)

Em acréscimo à transformação dos movimentos sociais para a construção dos novos movimentos sociais, CAMPILONGO dispõe:

A teoria dos novos movimentos sociais põe ênfase, portanto, nas mudanças da estrutura social externa aos movimentos. Estes são, porém, formados e condicionados por essas transformações. Assim, mudanças na macroestrutura social provocam mudanças na organização e nos temas dos movimentos. Em seu núcleo duro de características, a teoria dos novos movimentos sociais pode ser contraposta à teoria da mobilização de recursos”

Portanto, os movimentos sociais originados no conflito para alcançar uma mudança social vem se arrastando com as mobilizações da era global para dentro das redes virtuais, o que podemos abordar os estudos dos novos movimentos sociais, vez que objetivo profícuo é ação dos indivíduos enquanto atores sociais, que no caso presente, podem ser chamados de sujeitos achados na rede.

 

III. MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS E A ERA GLOBAL

III.1) Leading Case: AI-5 Digital

Entendo que maior exemplo de mobilização na rede para vindicar direitos foi no que ficou chamado de AI-5 Digital. Manifestação que se originou pelo interesse no projeto de lei de cibercrimes no âmbito institucional do Congresso brasileiro que extrapolou o corpo judicio institucional. Tal proposta foi apresentada pelo Senador Eduardo Azeredo, e a irresignação popular ficou identificada como a primeira mobilização politica do povo brasileiro “em torno de um projeto de lei organizada primordialmente pela internet. Uma mobilização – de usuários da rede, mobilizados em rede para a defesa de um ideal de funcionamento da rede – que criaria condições para o aparecimento de que uma nova postura do Estado a respeito da legislação sobre Internet[7].

SANTARÉM ainda descreve o caminho percorrido com as seguintes palavras:

Em 2006, após a aprovação do substitutivo do Senador Azeredo pela Comissão de Educação do Senado, foram especialistas e provedores de acesso os primeiros a reagir[8] contra a obrigatoriedade de identificação prévia dos internautas e o armazenamento de registros nas operações com interatividade (como envio de e-mails). Essa burocratização da rede foi alvo de diversas reportagens, que deixavam bem clara a oposição da imprensa. Os parlamentares não hesitavam em se alinharem ao discurso de que o projeto ainda dependia de mais debates, ainda que tivessem a cordialidade de demonstrar apreço pela atuação do Senador Azeredo. Apenas o Senador e juristas muito próximos a ele defendiam abertamente as propostas. O senso comum era facilmente direcionado a associar o projeto de lei de cibercrimes com um prejuízo potencial para a Internet. Ao longo dos próximos doze meses, a dinâmica seria a mesma, tendo como embrião inovador apenas a proposição de um “marco regulatório civil”, mas que não foi de cara adotada de forma difundida, mas sim espraiando-se aos poucos, a cada nova oposição aos substitutivos propostos no Senado. A Internet não se diferenciava como ambiente, servindo apenas como um novo suporte para os veículos tradicionais da imprensa. Ela seguia sendo apenas um repositório de informações. Acessível de qualquer lugar, a qualquer momento, mas ainda um repositório. A mudança para a web 2.0 começou tomar forma no segundo semestre de 2007, quando as informações começaram a amparar novas considerações e reflexões por parte de blogueiros. Os textos tinham um caráter noticioso, servindo como amplificadores das informações, mas vinham com posicionamentos que agregavam sentido. Não por acaso, as estatísticas da época apontavam o inédito número de 50 milhões de internautas brasileiros, mas apenas 42% tinham como hábito inserir algum conteúdo[9]

Dessa movimentação nasceu a “Petição Online” e as “Blogagens Coletivas”, e então José Carlos Caribé publicou o manifesto no site Petition Oline sob o título “Pelo veto ao projeto de cibercrimes – Em defesa da liberdade do progresso do conhecimento na Internet Brasileira”, seguindo ainda diversas outras manifestações, dos quais foi possível a realização de audiência pública, ou seja, era a primeira vez que os protestos foram articulados pela rede em razão de um evento presencial público.

Dito isto, o AI-5 Digital foi batizado na segunda edição da “Campus Party Brasil” em 23 de janeiro de 2009 quando se realizou um painel para debater o projeto supramencionado, de número 84/99 em que “vários participantes protestaram com frase de efeito expostas nos monitores de seus computadores portáteis ou erguendo-se e ficando de costas para a mesa” (SANTARÉM, p. 81)

Em entrevista colhida do sociólogo Sérgio Amadeu é que se verificou o batismo do AI-5 Digital, conforme se extrai do trecho de sua entrevista[10]:

Dois jovens vieram me entrevistar para o IG e o que estava filmando falou “poxa, mas isso é um AI-5 digital”. Era a época do aniversário do AI-5 [o Ato Institucional nº 5 completou 40 anos em 13 de dezembro de 2008] e eu comentava que, quando se transforma exceção em regra e todo mundo passa a ser considerado culpado até que se prove a inocência, tem-se um Estado de exceção. Quando você fala que tem que colher e guardar dados de todo mundo, afirma que todo mundo é suspeito. E serão criadas dificuldades para tele-centros, programas de inclusão digital… Você vai em um café, em uma cidade que tem rede aberta, e o gestor da rede vai ser responsabilizado. Ninguém vai querer abrir a rede.

Assim, a denominação dada pelos defensores da liberdade no uso da Internet fazia menção às severas restrições a direitos constitucionais impostas pelo AI-5[11], “entre as quais a possibilidade de aplicação de liberdade vigiada e a ampla possibilidade de o Poder Executivo estabelecer outras restrições ou proibições ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados de forma completamente discricionária, sem a apreciação da medida pelo Poder Judiciário”. (SANTARÉM, p. 81)

Foram feitas mobilizações através de panfletos, um verdadeiro movimento social organizado pela Internet em oposição a vigilância inserida no referido projeto de lei e estas foram ouvidas quando surgiu para a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça a oportunidade de desenvolver um marco regulatório da internet a ser elaborado com a colaboração dos internautas por meio de comentários em um blog aberto pelo próprio Ministério da Justiça.

Nessa seara, o Marco Civil da Internet, “se dedicou a realizar essa abertura, radicalizando a democracia exatamente em direção à abertura do seu desfecho. A topologia difusa da Internet permite uma melhor estruturação e, portanto, visibilidade da conformação de um direito público fora dos limites do Estado, de um Direito Público não estatal, mediante uma expressão dos conflitos direcionada para a acomodação das diferenças” (SANTARÉM, p. 113)

Nota-se, portanto, que embora os movimentos sociais possuam particularidades e características intrínsecas e inerentes a sua construção diante das lutas desde os seus primórdios, é possível verificar que na sociedade da informação, essas nuances estão sendo adaptadas a realidade vivenciada pelos sujeitos contemporâneos, os quais, através das redes, encontram uma forma com menor burocratização para fazer valer sua mobilização organizada e estrutural a fim de alcançar participação nas políticas públicas, seja, pela inclusão, seja pelo veto de uma nova regulação, seja para vindicar direitos, ora não reconhecidos daqueles que se conectam na sua causa motivada.

 

III.2) Na América Latina

 Iniciando com a indagação feita por Gohn é que se desenvolve a presente análise, quando questionou: “Qual o objetivo e o significado dos movimentos? Construir estratégias (americanos) ou identidades (europeus)?”

A divisão na América Latina se deu em estruturalistas e interacionalistas, sendo que o primeiro consubstanciava à necessidade de mapeamento das condições estruturais, desde a gênese explicativa das causas, as consequências e influencias dos movimentos, enquanto a segunda enfatizava os conflitos políticos, as estratégias e mobilizações, bem como as relações de poder (GOHN, 2012, p. 23)

Dito isto, importante destacar que novas teorias contemporâneas pós anos 2000 nasceram, vez que a preocupação dos sujeitos inseridos na sociedade complexa em relação as redes sociais são destacadas a partir de como os atores – sujeitos achados na rede – tecem seus percursos na rede.

Nessa esteira, GOHN (2012), destaca:

Neste novo século a preocupação com as redes sociais e digitais leva às abordagens que as tomam como processos em andamento e busca construir metodologias para captar as conexões entre o global e o local, suas interações cognitivas a partir de rastros dados ela comunicação e mídias digitais. O trabalho do pesquisador é cognitivo e politico porque ele deve realizar um rastreamento para elaborar uma cartografia de processos sociais ‘se fazendo’ e não já dados, prontos ou acabados. Recomenda-se retraçar os percursos, captando-se as inquietações, os conflitos e a controvérsias porque as redes são polissêmicas, diversas e não unívocas.

Assim, a título de ilustração, houve um episódio no Brasil, em que o país vivenciou em junho de 2013 eventos que demonstraram a forte interação entre os movimentos de internet e presenciais. Tal episódio se deu em razão das reivindicações para diminuição dos preços das passagens de ônibus, em que 215 mil pessoas se mobilizaram através do Facebook, confirmando presença na maior manifestação brasileira, neste contexto social, o que se conclui que os protestos em larga escala demonstram a existência de uma ação articulada entre o ativismo e a ocupação das ruas.[12]

Nesse mesmo sentido, Vitor Necchi em seu artigo “Internet potencializa experiência de movimentos sociais”[13] cita as passagens do professor Breno Fontes, da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE sobre os eventos de mobilização no Brasil em junho de 2013, in verbis:

O que era visto em outros países, chega ao Brasil: “a articulação de pessoas passou a ser intensamente organizada via redes sociais virtuais”. Nesse contexto, surgem as manifestações de junho de 2013. No entendimento de Fortes, esses movimentos se caracterizaram pela ausência de partidos e por ser uma multidão que não tinha agenda objetiva. Eram pequenos grupos organizados com bandeiras e cartazes os mais diferentes possíveis. “Havia uma malaise, um sentimento de que tinha que mudar, mas nada além disso. Isso motivou o aparecimento de pequenos grupos com reivindicações espontâneas e isoladas”, observa. “Mostraram uma certa falência das instituições políticas tradicionais, como partidos e sindicatos, em mobilizar.”

Por outro lado, os movimentos contemporâneos conseguem mobilizar as pessoas e organizar atos por meio de plataformas digitais, estabelecendo um novo padrão se comparados ao que ocorria antes da disseminação da internet, quando a comunicação centrava-se em “articulações intermediadas por contato face a face, propaganda impressa ou, eventualmente, veiculação pela mídia tradicional (escrita e televisiva)”.

Ainda nesse aspecto, o professor José Geraldo na defesa da sua tese de doutorado, “Direito como Liberdade: O Direito Achado na Rua Experiências Populares Emancipatórias de Criação do Direito”,[14] ao mencionar os novos movimentos na América Latina, destacou alguns exemplos que cabe destacar para fins de demonstração delineada aos países e suas perspectivas de organização, vejamos:

Na América Latina, o processo de redemocratização das últimas décadas esteve fortemente embasado na ação dos novos movimentos sociais, especialmente no México (movimento zapatista) , na Argentina (movimento dos piqueteros – desempregados), na Bolívia e Equador (movimentos indígenas) e na Venezuela (movimento de vizinhos, que se somou em 1990 aos círculos bolivarianos).

Corroborando com o exposto, a fim de traçar uma visão panorâmica sobre os movimentos sociais contemporâneos na América Latina, é possível observar que setores do movimento ambientalista se politizaram em algumas regiões, a exemplo da luta contra a instalação de papeleiras no Uruguai [15] ou a luta contra empreendimentos de mineração a céu aberto na região de Mendoza, na Argentina, que causam sérios problemas socioambientais[16].

Maria da Gloria Gohn[17] ainda cita outros movimentos a saber:

Outros movimentos ambientalistas se articularam com movimentos populares, como na região do rio São Francisco, no Brasil, assim como o movimento contra a construção de barragens e dos pequenos agricultores, em várias partes do Brasil e na Argentina. O Movimento Campesino de Córdoba (MCC), por exemplo, reúne cerca de seiscentas famílias e tem aglutinado inúmeras associações, apoios de profissionais e militantes. Segundo (Gontero, 2009, p. 3), o MCC atua não somente na questão da terra/produção agrícola

Nessa esteira, embora a América Latina possua suas especificidades, há em comum o objetivo de não ficar mais de costas para o Estado, mas sim de participar de políticas, de parcerias, dos quais os sujeitos achados na rede encontraram ferramentas estruturais para se mobilizar, ajudando a construir outros canais de participação, inclusive os fóruns, contribuindo para a institucionalização de espaços públicos importantes, como por exemplo a Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciência Sociais da América Latina) que trabalha a produção teórica como o Observatório Social da América Latina que foi criado exatamente para registrar e fazer avaliações periódicas das lutas e dos movimentos sociais.

Portanto, a amplitude das ações coletivas onde o micro e macro se encontram para alcançar o mesmo objetivo, a transformação social daqueles excluídos, trazendo à rede a ideia da inclusão.

 

IV. CONCLUSÃO

Os aspectos levantados no presente artigo visaram a provocação da utilização do termo “movimentos sociais” às mobilizações havidas nas redes virtuais diante das problemáticas identificadas na sociedade complexa da informação.

Logo, diante da ilustração do que ocorreu com o AI-5 Digital é possível concluir que as mobilizações são estruturas organizacionais que visam obter o resultado participativo na tomada de decisão de determinado grupo coletivo, o que demonstra características do movimento social, propriamente dito.

Portanto, entendo que essa mobilização veiculada através das redes virtuais só podem ser consideradas movimentos sociais quando levadas à rua, utilizando-se de protestos, passeatas, bandeiras, ou seja, termos figurativos que os movimentos sociais solidificam na concretude do seu objetivo.

Fernanda Dias Domingues, advogada sócia do escritório Dino Andrade Advogados, aluna especial no Mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Advogada com atuação nos Tribunais Superiores. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Integrada AVM/Unyleya. Pós-graduada em Direito Digital e Proteção de Dados pela Escola Brasileira de Direito – EBRADI. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná

 

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[1] PRIORI, A., et al. História do Paraná: séculos XIX e XX [online]. Maringá: Eduem, 2012. A Ditadura Militar e a violência contra os movimentos sociais, políticos e culturais. pp. 199-213. ISBN 978-85- 7628-587-8. Available from SciELO Books .

[2] Maria Beatriz Costa Abramides, Lutas sociais e desafios da classe trabalhadora: reafirmar o projeto profissional do serviço social brasileiro, https://www.scielo.br/j/sssoc/a/scmxtJdfJQ7crFFcMLsgrkJ/?format=pdf&lang=pt

[3] MELUCCI, Alberto. Um objetivo para os movimentos sociais? Tradução Suely Bastos. Revista Lua Nova. São Paulo, Nº 17, JUNHO 89.

[4] GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais no início do século XXI – Antigos e novos atores sociais. Editora Vozes, 7ª ed, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2015

[5] SOUZA JUNIOR, José Geraldo … [et al.] Introdução crítica ao direito à comunicação e à informação – Brasília: FACUnB, 2016.

[6] MEDEIROS, L. História dos movimentos; MEDEIROS, L. Assentamentos; FERNANDES, B. MST; MST. Construindo; MST. Sistema

[7] Paulo Rená da Silva Santarém

[8] Na lista de links elaborada por João Carlos Caribé (CARIBÉ, 07/11/2007) há uma onipresença de notícias do jornal O Globo, do site G1 e do portal Plantão Info, que se limitavam a recorrer a entes representativos e acadêmicos óbvios e, detalhe importante, não comportavam comentários, os quais poderiam servir de termômetro. O post de Caribé, por exemplo, contabilizou dez comentários em três dias, uma média alta para uma plataforma que exigia uma conta para a interação.

[9] BREDARIOLI, 27/07/2007.

[10] MARTINS, Antonio; FARIA, Glauco; PAIVA, Renato. “Em defesa da liberdade na rede”. Revista Fórum. nº 76. Julho de 2009.

[11] O Art. 5º do Ato Institucional nº 5 assim dispunha:

Artigo 5º A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:

I – cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

II – suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;

III – proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;

IV – aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio determinado. § 1º O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados. § 2º As medidas de segurança de que trata o item  IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário.

[12] VENANCIO, Tatiane. Democracia na era digital: a internet como base dos movimentos sociais contemporâneos. https://www.dicyt.com/noticia/democracia-na-era-digital-a-internet-como-base-dos-movimentos-sociais-contemporaneos  Campinas, São Paulo, Terça, 03 de junho de 2014

[13] NECCHI, Vitor, Internet potencializa experiência de movimentos sociais” https://www.ihu.unisinos.br/567594-internet-potencializa-experiencia-de-movimentos-sociais-2, 15 Mai 2017

[14] SOUSA JUNIOR, José Geraldo. Direito como Liberdade: O Direito Achado na Rua Experiências Populares Emancipatórias de Criação do Direitohttp://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp149020.pdf . Brasília, 2008

[15] CARDOSO, Tatiana de Almeida Freitas R. O Caso das Papeleiras: a (im)possibilidade do Meio Ambiente como tema principal do litígio Argentina-Uruguai. http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=363ce3cd61389226

[16] FLORES, Rafael Kruter, Marcha Contra a Mineração em Mendoza: ‘El agua no se negocia’ file:///C:/Users/fernanda.domingues.DAADV/Downloads/2774-Texto%20do%20artigo-8959-1-10-20180417.pdf REBELA, v. 1, n. 3, fev. 2012

[17] GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade https://www.scielo.br/j/rbedu/a/vXJKXcs7cybL3YNbDCkCRVp/ Artigos • Rev. Bras. Educ. 16 (47) • Ago 2011 Gohn

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