A Taxa Referencial como índice de correção monetária do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS é um direito trabalhista instituído pela Lei nº 5.107/66, recepcionado pelo art. 7º, III, CF e atualmente detalhado e regido pela Lei nº 8.036/90. Trata-se de auxílio pecuniário mensal realizado pelo empregador, depositado na conta individualizada do empregado, devendo também ser depositado em conta vinculada em algumas modalidades rescisórias.

Segundo a previsão da Lei 8.036/90, o empregador deve depositar no início de cada mês o valor correspondente a 8% (oito por cento) da remuneração do empregado. Esta conta somente permite movimentação quando verificada uma das hipóteses estabelecidas no art. 20 da referida Lei.

As contas vinculadas dos empregados para fins de depósito existem somente na CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e são geridas e administradas a partir das normas e diretrizes do Conselho Curador. Os valores depositados são utilizados para financiar investimentos sociais nas áreas de habitação, saneamento e infraestrutura urbana por expressa previsão legislativa (artigo 9º, §§ 2º e 3º, da Lei 8.036/90).

A atualização dos valores fundiários está prevista no artigo 13 da Lei:

“Art. 13. Os depósitos efetuados nas contas vinculadas serão corrigidos monetariamente com base nos parâmetros fixados para atualização dos saldos dos depósitos de poupança e capitalização juros de (três) por cento ao ano.”

A Lei nº 8.177/91 dispõe que a TR seria o índice utilizado para correção da poupança, e, portanto, também aplicada para fins de correção dos depósitos do FGTS, conforme previsto no seu art. 17:

“Artigo 17 – A partir de fevereiro de 1991, os saldos das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) passam a ser remunerados pela taxa aplicável à remuneração básica dos depósitos de poupança com data de aniversário no dia 1º, observada a periodicidade mensal para remuneração.

Parágrafo único. As taxas de juros previstas na legislação em vigor do FGTS são mantidas e consideradas como adicionais à remuneração prevista neste artigo”.

Conforme se depreende da previsão legal os saldos das contas do FGTS passariam a ser corrigidos conforme a taxa aplicável aos depósitos de poupança, ou seja, a TR, mantidas as taxas de juros previstas na legislação própria do FGTS, qual seja, a taxa de 3% de juros anuais. Portanto, a aplicação da TR como índice de correção dos saldos do FGTS é manifestamente legal, já que existe lei específica (e vigente) que determina sua aplicação.

A TR não representa qualquer acréscimo monetário, mas simplesmente visa recompor o valor da moeda defasado pela inflação. Por um período significativo a Taxa Referencial foi o índice de correção monetária capaz de repor a inflação nunca tendo sido questionada. Todavia, a realidade desde janeiro do ano de 1999 é outra na medida em que o índice deixou de espelhar a desvalorização da moeda, e, portanto, deixou de se justificar.

No julgamento da ADI 5090, o Supremo Tribunal Federal pretende analisar se, de fato, a legalidade é suficiente para justificar a manutenção da aplicação da referida taxa porquanto na prática é inconteste que a TR é incapaz de efetivamente “corrigir monetariamente” o saldo dos depósitos de FGTS, como expressamente previsto na Lei 8.036/90.

Nesse sentido, o comando judicial proferido na ADI nº 493-é no sentido de que o Excelso Pretório não reconhece a TR como índice hábil a promover a atualização monetária. Já no julgamento das ADI 4425 e 4357 o Supremo analisou a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 62/2009 concluindo que a TR não pode ser utilizada como índice de atualização monetária, eis que não é capaz de espelhar o processo inflacionário brasileiro. Conforme explica o Ministro Luiz Fux, redator para o acórdão:

“Quanto à disciplina da correção monetária dos créditos inscritos em precatórios, a EC nº 62/09 fixou como critério o ‘índice oficial de remuneração da caderneta de poupança’. Ocorre que o referencial adotado não é idôneo a mensurar a variação do poder aquisitivo da moeda. Isso porque a remuneração da caderneta de poupança, regida pelo art. 12 da Lei nº 8.177/91, com atual redação dada pela Lei nº 12.703/2012, é fixada ex ante, a partir de critérios técnicos em nada relacionados com a inflação empiricamente considerada. Já se sabe, na data de hoje, quanto irá render a caderneta de poupança. E é natural que seja assim, afinal a poupança é uma alternativa de investimento de baixo risco, no qual o investidor consegue prever com segurança a margem de retorno do seu capital.

A inflação, por outro lado, é fenômeno econômico insuscetível de captação apriorística. O máximo que se consegue é estimá-la para certo período, mas jamais fixá-la de antemão. Daí por que os índices criados especialmente para captar o fenômeno inflacionário são sempre definidos em momentos posteriores ao período analisado, como ocorre com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A razão disso é clara: a inflação é sempre constatada em apuração ex post, de sorte que todo índice definido ex ante é incapaz de refletir a efetiva variação de preços que caracteriza a inflação. É o que ocorre na hipótese dos autos. A prevalecer o critério adotado pela EC nº 62/09, os créditos inscritos em precatórios seriam atualizados por índices pré-fixados e independentes da real flutuação de preços apurada no período de referência. Assim, o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança não é critério adequado para refletir o fenômeno inflacionário.

(…) omissis.

Diz respeito à idoneidade lógica do índice fixado pelo constituinte reformador para capturar a inflação, e não do valor específico que deve assumir o índice para determinado período. Reitero: não se pode quantificar, em definitivo, um fenômeno essencialmente empírico antes mesmo da sua ocorrência. A inadequação do índice aqui é autoevidente.

Corrobora essa conclusão reportagem esclarecedora veiculada em 21 de janeiro de 2013 pelo jornal especializado Valor Econômico. Na matéria intitulada ‘Cuidado com a inflação’, o periódico aponta que ‘o rendimento da poupança perdeu para a inflação oficial, medida pelo IPCA, mês a mês desde setembro’ de 2012. E ilustra: ‘Quem investiu R$1mil na caderneta em 31 de junho [de 2012], fechou o ano com poder de compra equivalente a R$996,40. Ganham da inflação apenas os depósitos feitos na caderneta antes de 4 de maio, com retorno de 6%. Para os outros, vale a nova regra, definida no ano passado, de rendimento equivalente a 70% da meta para a Selic, ou seja, de 5,075%’. Em suma: há manifesta discrepância entre o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança e o fenômeno inflacionário, de modo que o primeiro não se presta a capturar o segundo. O meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é, portanto, inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).

(…) omissis.

Assentada a premissa quanto à inadequação do aludido índice, mister enfrentar a natureza do direito à correção monetária. Na linha já exposta pelo i. Min. Relator, ‘a finalidade da correção monetária, enquanto instituto de Direito Constitucional, não é deixar mais rico o beneficiário, nem mais pobre o sujeito passivo de uma dada obrigação de pagamento. É deixá-los tal como qualitativamente se encontravam, no momento em que se formou a relação obrigacional’. Daí que a correção monetária de valores no tempo é circunstância que decorre diretamente do núcleo essencial do direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII). Corrigem-se valores nominais para que permaneçam com o mesmo valor econômico ao longo do tempo, diante da inflação. A ideia é simplesmente preservar o direito original em sua genuína extensão. Nesse sentido, o direito à correção monetária é reflexo imediato da proteção da propriedade. Deixar de atualizar valores pecuniários ou atualizá-los segundo critérios evidentemente incapazes de capturar o fenômeno inflacionário representa aniquilar o direito propriedade em seu núcleo essencial.

Tal constatação implica a pronúncia de inconstitucionalidade parcial da EC nº 62/09 de modo a afastar a expressão ‘índice oficial de remuneração da caderneta de poupança’ introduzida no § 12 do art. 100 da Lei Maior como critério de correção monetária dos créditos inscritos em precatório, por violação ao direito fundamental de propriedade (art. 5º, XII, CF/88), inegável limite material ao poder de reforma da Constituição (art. 60, § 4º, IV, CF/88)”.

 

As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal espelham a verdadeira realidade da Taxa Referencial: o índice está praticamente zerado desde o ano de 2009, o que induz à conclusão de que os saldos das contas do FGTS acabaram sendo remunerados tão somente pelos juros anuais de 3% previstos na Lei 8.036/90. Na prática, esses juros que deveriam remunerar o capital estão suprindo a defasagem inflacionária da moeda, o que induz à conclusão de que há manifesta perda do poder de compra dos valores depositados a título de FGTS em contramão às previsões legais.

Portanto, embora a Lei nº 8.036/90 determine que sobre o saldo das contas vinculadas dos trabalhadores incida índice de correção monetária que mantenha a contento o valor da moeda assim como juros de 3% ao ano, o fato é que não atinge seus objetivos legais. O que resta é aguardar o posicionamento final adotado pelo STF a fim de que se resolva, de uma vez por todas, essa celeuma que tanto prejudica os trabalhadores brasileiros.

 

Marta Ferrari Machado, advogada sócia do escritório Dino Andrade Advogados 

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