Competência da Justiça do Trabalho para recolhimento de verbas previdenciárias de plano complementar: análise dos Temas 190 e 1166 do STF

1. Da edição do Tema 190/STF

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 586.453, o STF analisou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas decorrentes da relação jurídica entre um trabalhador e o fundo de pensão patronal a que estava vinculado em razão do contrato de trabalho.

O r. entendimento prevalecente reconheceu a repercussão geral do tema “competência para julgamento de matéria relativa à complementação de aposentadoria, sob o argumento de que a matéria possuía relevância do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, uma vez que a partir da Emenda Constitucional nº 20/98, a matéria alusiva à autonomia do contrato previdenciário passou a ser reconhecida como constitucional.

A conclusão judicial proferida nos autos do processo Recurso Extraordinário nº 586.453 reconheceu a independência do direito previdenciário ao trabalhista sob o fundamento de que a relação entre o participante e a entidade de previdência complementar privada a que está vinculado o trabalhador tem natureza previdenciária restando disciplinada no regulamento dos fundos de pensão, nos termos do art. 202, caput, § 2º, da CF c/c art. 68, LC 109/2001:

“A relação entre o associado e a entidade de previdência privada não é trabalhista. Ela está disciplinada no regulamento das instituições.

Nesse sentido, o artigo 202, § 2º, da Constituição Federal, regulamentado pelo artigo 68 da Lei Complementar 109/2001, determina que:

‘As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.’” (grifamos e seccionamos)

No mesmo sentido, na r. decisão exarada nos autos do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 970.762 (transitada em julgado em 29/04/2017), o I. Min. Dias Toffoli concluiu que “as decisões proferidas pela Justiça do Trabalho devem considerar o princípio da autonomia da relação jurídica da previdência privada em relação ao contrato de trabalho, decidindo ainda que os autos deveriam retornar ao C. TST, que somente julgava o processo em razão da modulação determinada pelo STF no RE nº 586.453, para que a ação fosse julgada de acordo com a lei civil e previdenciária.

Ao analisar os autos do processo STF-RE-1.256.765, em 03/03/2020, o Ministro Relator Luís Roberto Barroso destacou expressamente em seu julgado a autonomia do direito previdenciário sobre a existência de dois regimes de previdência dissociados das relações de trabalho, senão vejamos:

“Na ocasião, a maioria do Plenário do STF definiu que o § 2º do art. 202 da CF autonomizou, expressamente, a previdência complementar relativamente ao contrato de trabalho. Firmou-se o entendimento de que o referido § 2º do art. 202 seria a fonte normativa evidente da existência de dois regimes de previdência: um, o do regime geral, que alcançaria todos os trabalhadores do setor privado; e outro, complementar, de previdência privada, inteiramente dissociado das relações trabalhistas e de tudo que dela decorrer, inclusive em matéria de previdência. Ou seja, o contrato de previdência complementar bastaria em si mesmo, seria um pacto de natureza totalmente distinta, sem nenhuma vinculação com as relações trabalhistas. Verifica-se que a definição da competência jurisdicional foi fixada, pelo STF, em razão da natureza autônoma da previdência complementar, ainda que o surgimento do contrato de previdência complementar pressuponha a existência de um vínculo trabalhista subjacente. (grifamos e seccionamos)

Em razão da natureza jurídica do contrato previdenciário, o qual se aplica às regras do Direito Civil, a autonomia do contrato é amplamente defendida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica do precedente do Ministro Luís Felipe Salomão:

Embora as regras aplicáveis ao sistema de previdência social oficial possam eventualmente, servir como instrumento de auxilio à resolução de questões relativas a previdência privada complementar, na verdade são regimes jurídicos diversos, com regramentos específicos, tanto de nível constitucional, quanto infraconstitucional[1] (seccionamos)

No mesmo sentido, o precedente firmado através da relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva da 3ª Turma, no Resp 1.330.085/RS, publicado no DJe em 13/05/2015, dispõe:

“A previdência privada possui autonomia em relação ao regime geral de previdência social. Além disso, é facultativa, regida pelo Direito Civil, de caráter complementar e baseada na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, sendo o regime financeiro de capitalização.

 A concessão de benefício oferecido pelas entidades abertas ou fechadas de previdência privada não depende da concessão de benefício oriundo do regime geral de previdência social. Haja vista as especificidades de cada regime e a autonomia existente entre eles”. (seccionamos)

No mesmo trilhar, o Tribunal Superior do Trabalho e a Súmula 107 do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região[2]:

“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS – FUNCEF. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E DA INSTRUÇÃO NORMATIVA TST Nº 40/2016. 1. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. DECISÃO REGIONAL EM CONTRARIEDADE À JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. A respeito da competência para o julgamento de controvérsia sobre complementação de aposentadoria relacionada ao contrato de trabalho, a matéria foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário com repercussão geral (RE nº 586.453), no sentido de que é da Justiça Comum a competência para processar e julgar esse tipo de controvérsia. Contudo, modulou os efeitos da decisão para reconhecer a competência da justiça trabalhista para processar e julgar, até o trânsito em julgado e correspondente execução, todas as causas da espécie que hajam sido sentenciadas, até a data de 20/02/2013. II. No presente caso, foi proferida decisão de mérito em data posterior a 20/02/2013 (sentença publicada em 09/10/2015). Portanto, é medida que se impõe o seguimento do recurso de revista em que se pretende a reforma da decisão regional na qual se declarou a competência da Justiça do Trabalho no particular. III. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento”. TST-RR0001059-81.2014.5.05.0191, Rel. Min. Alexandre Ramos, 4ª turma, DEJT 11/09/2020)

Nesse contexto jurídico, o Supremo Tribunal Federal editou o Tema 190[3] que reconhece a competência da justiça comum para processar e julgar litígios entre o participante/assistido e o fundo de pensão a que esteja vinculado em razão da natureza previdenciária do contrato firmado entre as partes.

 

2. Da edição do Tema 1166/STF

Face à condenação imposta nos autos do Recurso de Revista nº 0001132-12.2015.5.12.0001 na qual a Sexta Turma do C. TST determinou que a empregadora realizasse o recolhimento dos reflexos das diferenças salariais deferidas ao fundo de pensão no qual esteja vinculado o trabalhador[4], houve interposição de Recurso Extraordinário por parte da Reclamada, patrocinadora do plano previdenciário complementar contratado pelo Reclamante.

Os autos foram autuados como Recurso Extraordinário 1.265.564/SC, cujas razões recursais defendidas pela empregadora foram de que a complementação de aposentadoria do recorrido, ainda que sendo um evento futuro, não tem relação com o contrato de trabalho, mas sim decorre de relação de direito previdenciário privado. Por essa razão, considera que deve prevalecer a competência da Justiça Comum, sob pena de violação dos artigos 114, I e 202, § 2º, ambos da Constituição Federal. (grifamos-seccionamos)

Por considerar o contorno constitucional da matéria, o I. Ministro Presidente Luiz Fux reconheceu a repercussão geral naqueles autos estabelecendo a seguinte ementa:

“Recurso extraordinário. Trabalhista. Competência. Pedido de condenação da empresa empregadora ao pagamento de verbas trabalhistas e ao consequente reflexo das diferenças salariais nas contribuições ao plano de previdência complementar. Competência da justiça do trabalho. Inaplicabilidade do tema 190 da repercussão geral. Precedentes. Multiplicidade de recursos extraordinários. Controvérsia constitucional dotada de repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência do supremo tribunal federal. Recurso extraordinário desprovido”. (grifamos-seccionamos)

A r. decisão acima prolatada pelo Min. Relator motivou o STF a editar o Tema 1166 que prevê que “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada.” (grifamos-seccionamos)

Na prática, concluiu o C. STF que a incidência dos reflexos das verbas trabalhistas deferidas pela Justiça do Trabalho no plano previdenciário contratado pelo trabalhador pode perfeitamente ser determinado pelo juiz do trabalho que julgar a causa.

Face a decisão proferida pelo Excelso Pretório, o Tribunal Superior do Trabalho tem proferido julgados seguindo a referida diretriz. Veja-se o teor do julgado de Relatoria do Ministro Alexandre Agra Belmonte, integrante da 3ª Turma do C. TST, nos autos de nº TST-ARR-0001731-62.2011.5.20.0002, publicada no DEJT em 08/11/2019 em que se equipara os regimes constitucionais de previdência para todos os fins:

Em relação ao aspecto contributivo, o regime complementar de entidade fechada em nada difere do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), de modo que deve ser aplicada a ambos os regimes a mesma ratio decidendi acerca da competência para dirimir lides envolvendo as contribuições sociais de um ou de outro regime, o que não alcança a competência para apreciar querelas sobre os benefícios, porque, no ponto, os sistemas diferem sobremaneira.

(omissis)

Assim, mutatis mutandis do que foi assentado pelo STF na Súmula Vinculante 53 do STF, impõe-se a competência da Justiça do Trabalho para dirimir controvérsia em torno das contribuições sociais devidas por participantes (empregados) e patrocinadores (empregadores) a entidades fechadas de previdência complementar em relação ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados, na forma do art. 114, IX, da Constituição Federal, corroborado pelo art. 876, parágrafo único, da CLT, o qual estabelece que “serão executadas ex officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido”, não havendo distinção sobre se tratar de contribuições sociais devidas ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS) ou ao regime fechado de previdência complementar.

 Ressalte-se que tal entendimento em nada conflita com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Recursos Extraordinários 586.453 e 583.050.

 (omissis)

 Tal orientação emanada do e. STF destina-se claramente a definir a competência para apreciar o conflito em relações jurídicas discutindo os benefícios, ou seja, a complementação de aposentadoria em si, não alcançando as contribuições previdenciárias.

 (omissis)

 Como se infere, discute-se a competência da Justiça do Trabalho para apreciar pedido acerca de contribuição social do empregador (patrocinador) para entidade de previdência complementar fechada incidente sobre a condenação em verbas reconhecidas nesta mesma reclamação trabalhista.

 Portanto, conforme fundamentação supra, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir a controvérsia, impondo-se a mesma ratio decidendi da Súmula Vinculante nº 53” (grifamos e seccionamos)

Seguindo a diretriz do C. TST, os Tribunais Regionais do Trabalho têm editado enunciados de Súmula a respeito da matéria do entendimento previsto no Tema 1166/STF. É o que se extrai da Súmula 42/TRT 5ª Região[5] e da Súmula 35/TRT 13ª Região[6].

 

3. Dos regimes previdenciários previstos na Constituição da República

Em sua obra intitulada Curso de Direito Previdenciário, IBRAHIM leciona que a Constituição Federal prevê a coexistência dos dois regimes previdenciários:

“(…) de filiação compulsória para os regimes básicos (RGPS e RPPS), além de coletivo, contributivo e de organização estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais. Já o regime complementar tem como características a autonomia frente aos regimes básicos e a facultatividade de ingresso, sendo igualmente contributivo, coletivo ou individual. O ingresso também pode ser voluntário no RGPS para aqueles que não exercem atividade remunerada” [7] (seccionamos)

 Em contrapartida, para REIS, CORRÊA e OLIVEIRA “os princípios BASILARES do Regime de Previdência Complementar são: autonomia frente a outros regimes previdenciários e a outros microssistemas jurídicos, facultatividade, contratualidade, capitalização, com base em cálculos atuariais, ou seja, constituição previa de reservas garantidoras dos benefícios contratados”. Pouco mais à frente consignam os ilustres autores que “o Regime de Previdência Complementar é autônomo frente a outros regimes previdenciários e aos outros ramos do Direito. Isso quer dizer que há regras e princípios próprios que norteiam tal Regime, os quais estão inseridos na seara do Direito Privado e que regem as relações jurídicas estabelecidas no âmbito da previdência complementar gerida pelas entidades de previdência complementar[8]”. (grifamos-seccionamos)

De acordo com o ilustre doutrinador HUGO GÓES, da redação do “caput” do art. 202, CFpodemos listar algumas características básicas da Previdência Complementar Privada: (i) Natureza jurídica Privada; (ii) Autônomo em relação ao RGPS; (iii) Filiação facultativa; (iv) Natureza contratual; (v) Constituição de reservas em regime de capitalização; (vi) Regulado por lei complementar[9]”. (grifamos-seccionamos)

O “obiter dictum” adotado no STJ-REsp nº 1.421.951/SE, de relatoria do I. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva e publicado no Diário de Justiça Eletrônico em 19/12/2014, é bastante didático no que diz respeito à diferenciação entre os regimes de Entidades Fechadas de Previdência Complementar e Regime Geral de Previdência Social:

“A relação jurídica estabelecida entre o participante e a entidade fechada de previdência privada é de índole civil e não trabalhista, não se confundindo, portanto, com a relação formada entre o empregador (patrocinador) e o empregado (participante). Assim, para a solução das controvérsias atinentes à previdência privada, devem incidir, prioritariamente, as normas que a disciplinam e não outras, alheias às suas peculiaridades”. (grifamos-seccionamos)

 Embora ambos os regimes previdenciários decorram necessariamente de uma relação jurídica base, a incidência do RGPS previsto no art. 201, CF pressupõe meramente a prestação de serviços autônomos ou a existência de vínculo empregatício trabalhista firmado entre o empregado e o empregador, conforme prevê o art. 195, I, “a”, CF.

Por sua vez, o normativo das EFPC previsto no art. 202, CF pressupõe a existência de um contrato de natureza cível com contornos previdenciários firmado entre o empregado e o fundo de pensão a que esteja vinculado e obrigatoriamente decorre de um contrato de trabalho, o que demonstra o seu caráter singular e restritivo.

A previdência complementar privada é regrada pelas Leis Complementares 108 e 109/2001 e a adesão ao fundo de pensão é facultativa. Noutro giro, no RGPS a adesão é compulsória e o regramento aplicável é a legislação ordinária previdenciária.

Caso a relação jurídica base seja o contrato de trabalho, os empregados que recolhem contribuições para o RGPS não necessariamente o fazem para o regime de previdência complementar, cuja adesão é facultativa, já os que recolhem contribuições para o fundo de pensão vinculado à empregadora obrigatoriamente recolhem para o RGPS em razão da existência do seu contrato de trabalho.

É de fácil conclusão, portanto, que ao regime de previdência complementar são inaplicáveis os princípios característicos do regime geral de previdência social. Logo, não se pode conferir tratamento jurídico isonômico aos diferentes regimes previdenciários, sob pena de se instaurar uma grande insegurança jurídica para os trabalhadores, empregadores e especialmente para os fundos de pensão, conforme será demonstrado a seguir.

 

4. Do conflito jurisprudencial existente na aplicação dos Temas 190 e 1166/STF

A diretriz adotada pelo STF no Tema 1166 induz a conclusão de que se a Justiça do Trabalho é competente para determinar o reconhecimento de contribuições de reflexos de verbas trabalhistas deferidas em juízo para o INSS, também o é para determinar a incidência de reflexos das verbas trabalhistas para a entidade de previdência complementar a que o empregado esteja vinculado.

Na prática, ao editar o Tema 1166, o Excelso Pretório confere tratamento isonômico entre os contribuintes do Regime Geral de Previdência Social e os participantes de plano de previdência privada, o que atenta não somente contra a doutrina, mas sobretudo contra a jurisprudência da própria Corte, senão vejamos.

Os precedentes jurisprudenciais que ensejaram a redação da Súmula Vinculante 53/STF[10] consideraram as peculiaridades do Regime Geral de Previdência Social sobre as contribuições advindas das verbas eminentemente trabalhistas. Entendeu-se naquela ocasião que a execução das contribuições sociais poderia ser realizada de ofício na Justiça do Trabalho para condenações trabalhistas, já que facilitaria a eficácia do sistema de arrecadação tributária ao Estado conferindo segurança jurídica aos segurados do INSS, exatamente como prevê a Súmula 368/TST.

Dessa forma, o fundamento jurídico adotado pela Corte Constitucional na edição da Súmula Vinculante 53/STF em nada se equipara à previdência complementar privada, uma vez que os recolhimentos previdenciários dela se destinam a uma parcela restrita de indivíduos, seja em previdência fechada ou até mesmo aberta, já que o número de aderentes por opção é plenamente identificável.

De acordo com a doutrina especializada, o único pilar jurídico comum entre os Temas 190 e 1166/STF, é a relação jurídica base (contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços autônomos), visto que a autonomia do contrato previdenciário amparada por nossa Carta Magna, pelo primeiro é respeitada e pelo último violada, com o devido respeito.

Ao se manifestar a respeito das parcelas deferidas na Justiça do Trabalho e executadas na Justiça Comum, a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça concluiu que, em caso de inviabilidade de verter contribuições por ausência de previsão em regulamento do plano de benefícios, ou ainda de recompor a reserva matemática[11], o pedido deve ser acolhido e pago por meio de indenização, conforme dispõe o Tema 1021/STJ:

“Definir a possibilidade de inclusão no cálculo da complementação de aposentadoria, paga por entidade fechada de previdência privada, de verbas remuneratórias incorporadas ao salário do trabalhador por decisão da Justiça do Trabalho, após a concessão do benefício, sem a prévia formação da correspondente reserva matemática.

a) “A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos de quaisquer verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria.”

b) “Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho.”

[…] omissis

d) “Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores correspondentes a tal recomposição deve ser entregues ao participante ou assistido a título de reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa da entidade fechada de previdência complementar.” (trecho do Acórdão publicado no DJe de 11/12/2020). Afetação na sessão eletrônica iniciada em 14/8/2019 e finalizada em 20/8/2019 (Segunda Seção). Vide Controvérsia n. 83/STJ – Aplicação ou distinção do Tema n 955/STJ”. (grifamos e seccionamos)

 No julgamento do Agravo em REsp de nº 1.557.698/RS[12], o Superior Tribunal de Justiça reafirmou o posicionamento de que as relações jurídicas firmadas entre empregado e empregador são manifestamente diversas daquela instaurada entre o participante/assistido e o fundo de pensão contratado, ainda que tenham o contrato de trabalho como relação jurídica base.

Seguindo a diretriz adotada pelo STJ, a qual nos alinhamos, ao editar o Tema 1166, o Supremo Tribunal Federal acaba por violar o art. 114, CF ao reconhecer que o juiz do trabalho tem competência para avaliar o conteúdo das cláusulas do contrato previdenciário firmado entre o empregado e o fundo de pensão na medida em que, diferentemente do Regime Geral de Previdência Social, os reflexos deferidos somente poderão refletir em complementação de aposentadoria se houver previsão expressa no regulamento do plano previdenciário contratado, sob pena de desrespeitar a autonomia do contrato previdenciário prevista no art. 202, §2º, CF, decidida nos Recursos Extraordinários 586.453 e 583.050 e de contrariar os fundamentos jurídicos adotados quando da edição do Tema 190/STF.

Os desdobramentos práticos das decisões que reconhecem a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar reflexos das verbas trabalhistas em complementação de aposentadoria privada tem causado inúmeros prejuízos ao conjunto de participantes do plano previdenciário, conforme destacado no Tema 1021/STJ: forma-se um desequilíbrio atuarial dos planos previdenciários contratados porquanto se um participante pode majorar a base de cálculo do benefício de complementação de aposentadoria por determinação do juiz do trabalho, ainda que não haja previsão no regulamento do plano, outro colega pode não ter a mesma sorte, ainda que ajuíze ação idêntica.

Face ao imbróglio instaurado, a única certeza que assola os jurisdicionados é que os Temas 190 e 1166/STF ainda serão objeto de muito debate na doutrina e na jurisprudência.

 

5. Da conclusão

O entendimento sufragado no processo Recurso Extraordinário nº 1.265.564/SC, de Relatoria do I. Min. Luiz Fux, de repercussão geral reconhecida e que foi base para a edição do Tema 1166/STF não se sustenta juridicamente, com a devida vênia, na medida em que a origem da norma que reconhece a competência da Justiça do Trabalho para processar, julgar e determinar recolhimento de ofício das verbas previdenciárias decorrentes das sentenças que proferir e dos acordos que vier a homologar é manifestamente distinta da origem das normas que regem um contrato de previdência complementar: enquanto a primeira decorre da obrigatoriedade de recolhimento face a um contrato de trabalho firmado entre empregado e empregador a última decorre de uma opção do empregado em implementar sua renda após a aposentadoria concedida pelo INSS.

A competência da Justiça do Trabalho deve ser restrita ao reconhecimento da natureza salarial da verba postulada na exordial trabalhista com a determinação em reflexos somente nas demais verbas da mesma natureza jurídica, inclusive previdenciárias decorrentes do RGPS e não do plano previdenciário complementar. A partir de então, o trabalhador participante de plano de previdência complementar, em posse do seu título executivo judicial, se vê habilitado em ajuizar ação na Justiça Comum para que o contrato previdenciário seja analisado à luz das regras do Direito Civil, dada a autonomia do contrato previdenciário, nos moldes do art. 202, §2º, CF, em que se discutirá se a parcela trabalhista de caráter salarial assim reconhecida na Justiça do Trabalho integrará ou não a previdência complementar contratada considerando o teor das cláusulas do plano de benefícios contratados.

Portanto, ao reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada à ele vinculada, respeitosamente, o Supremo Tribunal Federal passa a conferir ao participante/assistido do plano de previdência complementar o mesmo tratamento conferido ao contribuinte a que alude o art. 201, CF, o que a nosso sentir desconsidera a natureza jurídica do contrato previdenciário privado tão enaltecido na edição do Tema 190/STF conferindo enorme insegurança jurídica aos Fundos de Pensão, seus participantes e ou assistidos.

 

Dino Araújo de Andrade e Fernanda Dias Domingues, advogados especialistas em tribunais superiores e previdência complementar. Sócios do escritório Dino Andrade Advogados.

 

Bibliografia

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TST, ARR-1731-62.2011.5.20.0002. Ministro Relator Alexandre Agra Belmonte da 3ª Turma do TST, no DEJT em 08/11/2019 disponível <http://www.tst.jus.br/validador>   sob código 1002C21EE2049AA32E, acessado em 07/02/2022

TRT 5. Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 0000775-93.2016.5.05.0000, Relatora Desembargadora Dalila Nascimento Andrade, publicado no DEJT em 08/03/2017, disponível em < https://pje.trt5.jus.br/segundograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=16101610260791700000004104049> , acessado em 07/02/2022.

TRT 13. Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 0130224-19.2015.5.13.0000 Relator Desembargador Edvaldo De Andrade, publicado no DEJT em 16/06/2016, disponível em < https://pje.trt13.jus.br/segundograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=16022411352253400000000740322 >, acessado em 07/02/2022.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 16. ed. Niteroi: Impetus, 2011.

REIS, Adacir. Corrêa, Lara. Oliveira, Ana Carolina. Previdência Complementar – Prática e Estratégica. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2017, P. 17.

GÓES, Hugo. Manual de Direito Previdenciário – Teoria e Questões. Editora: Ferreira, Rio de Janeiro, 2019, pag. 753-754.

STJ, REsp nº 1.421.951/SE, Ministro MOURA RIBEIRO, 3ª Turma, Julgamento em 23/08/2016, publicado no DJE em 31/08/2016, disponível em https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201500726377&dt_publicacao=31/08/2016 , acessado em 07/02/2022

STF, Súmula Vinculante nº 53, Sessão Plenária de 18/06/2015, Publicado no DJe nº 121 de 23/06/2015, Precedente RE 569056, disponível em https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=568701, acessado em 07/02/2022

STJ, 1.557.698/RS, Relator Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento 19.04.2016, Publicado no DJe em 26.04.2016, Documento: 60130542, disponível em https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=60130542&num_registro=201502437820&data=20160426&tipo=5&formato=HTML, acessado em 07/02/2022

 

[1] STJ, REsp 814.465/MS, Ministro Relator Luís Felipe Salomão, 4ª Turma, julgamento: 17/05/2011, publicado no DJe em 24.05.2011.

[2]Súmula 107/TRT12: PARCELAS TRABALHISTAS RECONHECIDAS EM JUÍZO. REPERCUSSÃO NAS CONTRIBUIÇÕES AO PLANO E NO VALOR DOS BENEFÍCIOS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A incompetência material da Justiça do Trabalho, fixada pelo e. STF no julgamento do RE 586453/SE e do RE 583050/RS, alcança os pedidos de reflexos, decorrentes de verbas reconhecidas em juízo, nas contribuições aos planos e nos benefícios pagos por entidade de previdência complementar privada”. (grifamos e seccionamos)

[3] Tema 190/STF: Competência para processar e julgar causas que envolvam complementação e aposentadoria por entidades de previdência privada. Compete a Justiça Estadual processar e julgar litígios instaurados entre entidade de previdência privada e participante do seu plano de benefícios”. (grifamos)

[4] “RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E DA IN Nº 40/2016 E ANTERIORMENTE À LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. DIFERENÇAS SALARIAIS. REFLEXOS NAS CONTRIBUIÇÕES. 1 – Esta Corte, por meio da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais e de suas Turmas, tem decidido que a Justiça do Trabalho é competente para julgar ação que tenha por objeto diferenças salariais com reflexos nas contribuições feitas a entidade previdenciária que possua vínculo com a empregadora. 2 – Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento”. (TST-RR-0001132-12.2015.5.12.0001, 6ª Turma, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT 23/09/2019)

[5] Súmula 42/TRT5: RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO DESTINADA À ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA DECORRENTE DE CONDENAÇÃO PECUNIÁRIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INTELIGÊNCIA DO INCISO I, DO ART. 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar o pedido de recolhimento de contribuição destinada à entidade de previdência privada fechada decorrente das condenações pecuniárias que proferir, principalmente porque o pedido não é idêntico ao decidido pelo c. STF no julgamento do RE586.453/SE”. (Resolução Administrativa nº 0006/2017 – Divulgada no Diário Eletrônico do TRT da 5ª Região, edições de 20, 21 e 22.03.2017, de acordo com o disposto no art. 187-B do Regimento Interno do TRT da 5ª Região). (grifamos)

[6]Súmula 35/TRT13: JUSTIÇA DO TRABALHO. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES DECORRENTES DAS CONDENAÇÕES PECUNIÁRIAS NAS AÇÕES TRABALHISTAS. COMPETÊNCIA. A Justiça do Trabalho possui competência para apreciar e julgar os pedidos relativos ao recolhimento de contribuições destinadas a entidades de previdência privada fechada, decorrentes das condenações pecuniárias que proferir, ante a autorização prevista no art. 114, I, da Constituição Federal. (grifamos)

[7] IBRAHIM, Curso de direito previdenciário. 16ª Edição. Editora Impetus, 2011. p. 27.

[8] REIS, Adacir. Corrêa, Lara. Oliveira, Ana Carolina. Previdência Complementar – Prática e Estratégica. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2017, P. 17.

[9] GÓES, Hugo. Manual de Direito Previdenciário – Teoria e Questões. Editora: Ferreira, Rio de Janeiro, 2019, pag. 753-754.

[10]  Súmula Vinculante 53/STF: “a competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados”.

[11]A reserva matemática de qualquer grupo segurado por uma entidade previdencial é a expressão monetária do direito líquido desse grupo perante a entidade em sua fase de funcionamento normal. Esse direito é variável no tempo, em dado instante é a diferença entre um crédito e um débito. O crédito é o dos compromissos futuros assumidos pela entidade em relação ao grupo na forma de promessa de benefícios. O débito é o dos compromissos futuros assumidos pelo grupo em relação à entidade, na forma de promessa de contribuições”. (RIO, Nogueira. Benefícios previdenciais. Os Isógonos e a Ética Securitária. Rio de Janeiro: STEA, 2002) 

[12] “São relações contratuais que não se comunicam, submetidas a regimes jurídicos específicos, não havendo nenhuma previsão legal que imponha à entidade de previdência privada o dever de atuar como ‘fiscal do trabalho’, realizando controle acerca de eventual cumprimento de horas extras não remuneradas, em arbitraria ingerência sobre atividade e relação contratual que não lhe dizem diretamente respeito”. (STJ, AgRg em Resp 1.557.698/RS, Relator Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento 19.04.2016, Publicado no DJe em 26.04.2016 – grifamos).

 

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